terça-feira, 10 de maio de 2011

Lendas

A AVEZINHA DO EREMITA

(Canção popular alemã)

Houve outrora um eremita
Cuja maior alegria
Era dizer esta prece:
- Ave Maria!

Tinha consigo na cela
Uma ave que todo o dia
Cantava como o seu dono:
- Ave Maria!

Duma vez fugiu a ave
Da sua prisão sombria
E foi cantar p’ra um cipreste:
- Ave Maria!

Triste, o asceta a perseguiu;
A avezinha lhe fugia…
E por fim subiu cantando:
- Ave Maria!

Subiu, subiu nos espaços;
Mas um abutre descia…
Caçou-a e ela gritou:
- Ave Maria!

Espantado o fero abutre
As suas garras abria…
Jamais ouvira cantar:
- Ave Maria!

Salvou-se a pobre avezinha
E então com mais alegria
Fez ouvir o doce canto:
- Ave Maria!

Estava o eremita na cela
Submerso em melancolia.
Entra a avezinha, e os dois cantam:
- Ave Maria!

Virgem, não deixaste o abutre
Matar a ave que dizia
A linda oração sublime:
- Ave Maria!

Pois também do pecador
Tu serás defesa e guia
Quando ele rezar contrito:
- Ave Maria!


A PALMA DA GLÓRIA

De todos os infantes de Belém e arredores
O rei da Galileia decretara a matança.
Avaro de seu trono, refremia em rancores,
Ao saber que nascera dos homens a Esperança.

Mas um anjo do empíreo, por mandado divino,
Veio falar em sonhos, de noite, a S. José:
- Levanta-te. Depressa! Leva esse Menino,
Que o quer matar Herodes, espírito sem fé.

Foge para o Egipto com  Jesus e Maria,
Até que eu vá dizer-te que é tempo de voltar.
Obedece o santo. Pouco depois partia
A Sagrada Família, sob as bênçãos do luar.

Partiram… para onde? Nem sabiam sequer.
Para longe, muito longe. Para onde Deus mandava
E onde aquele Menino pudesse, alfim, viver
Livre dos feros ódios de Satã inspirava.

Foram andando, andando… passaram as fronteiras
Da terra prometida. Lá muito no deserto,
Um dia, descansaram junto duma palmeira,
Como se fosse a sombra dum guarda-sol aberto.

Vinham tão fatigados! A Virgem apontou
As tâmaras ocultas sob a verde folhagem
E para o casto esposo, sorrindo, murmurou:
- Quem nos dera esses frutos, neste ponto da viagem…

- E eu, diz o patriarca, penso também nas águas
Do país da Judeia, nossa terra natal
Que ardentíssima sede! – Diziam estas mágoas
E Jesus descansando no colo maternal.

Mas levantou-se o infante nos joelhos da Senhora;
Apoiou as mãozinhas no tronco da palmeira
E bradou, imperioso: - Desejamos, nesta hora,
Que nos dês os teus frutos. Baixa a fronte altaneira!

O gigante do ermo dobrou a heróica fronte:
Colheram-se os seus frutos. E Jesus disse então:
- Ergue-te! A teus pés faz britar agora a fonte
Das águas cristalinas, filha da solidão!

Como Jesus der a ordem, assim fez a palmeira,
E na suave linfa José pôde beber.
No entanto àquela árvore amiga, hospitaleira,
O Salvador do mundo deseja agradecer.

- Porque teus frutos deste, palmeira benfazeja,
Porque nos deste a água de teus mananciais,
Quero que um destes ramos imediatamente seja
Pelos anjos plantado nos édenes celestiais.

De hoje para o futuro, todo o que triunfar
Nas lutas desta vida pelo ideal do amor
Com a tua folhagem o virão diademar
Os anjos do Senhor.

DIMAS


I

Quando a Sagrada Família
Fugia para o Egipto
A fim de salvar Jesus,
Tesouro dos Céus bendito,

Aconteceu numa noite
Transviar-se do caminho,
Não achar onde abrigar-se,
Ver-se no ermo, sozinho.

Andaram horas e horas,
Buscando asilo, perdidos,
Mas por fim foram bater
A uma casa de bandidos.

A mulher do capitão,
Que tinha muita bondade,
Recebeu os santos hóspedes
Sem nenhuma hostilidade.

José e a Virgem Maria
Mal podiam esperar
Um tão carinhoso trato
Em semelhante lugar!

Tinha a piedosa hospedeira
Um filho amado também,
A quem apertava no seio
Como só faz uma mãe.

Dimas era o nome dele.
Era dum branco nivoso
Todo o seu corpo tenrinho:
O infeliz era leproso.

Mas talvez por isso mesmo,
Que ele era um pobre doente,
A boa mãe lhe queria
(Quem sabe?) mais ternamente.

Para lavar a Jesus,
Pede água a Virgem formosa;
Logo a mulher do bandido
Lha vem trazer, cuidadosa.

Então, aquela criatura,
Fitando José e Maria,
Fitando o doce Jesus,
Sente não sei que alegria.

A sua alma adivinhava,
Nesse grupo solitário,
Alguma coisa de excelso,
Um mistério extraordinário.

Acreditou nessa esperança
Que ao seu coração fulgia,
Parecendo vir do céu
E dos olhos de Maria.

Tomou a água que servira
Para lavar Nosso Senhor
E lavou nela o filhinho,
O seu doente, com amor.

Logo a carne do petiz
Ficou rosada e formosa,
E num infinito júbilo
Aquela mãe extremosa.

II

Passaram-se muitos anos
E, nos braços duma cruz,
Se encontrou Dimas um dia
Perto do meigo Jesus.

O pobre Dimas não tinha
Agora a carne leprosa:
Tinha a lepra do pecado,
Que é muito mais perigosa.

Mas – como outrora sua mãe –
Esse homem viu em Jesus
Uma auréola misteriosa,
Feita de divina luz.

Confessou-lhe sua esperança;
E, após, o sangue dum Deus
Lavou-lhe a lepra da culpa,
Franqueou-lhe o reino dos Céus!


A Perdiz de S. João


De uma vez, S. João, o apóstolo condor,
Coração virginal, flamante de amor,
Na ilha do exílio, frente ao presbitério,
Mimava uma perdiz com infantil gaudério.
Perto da igreja um caçador passou então,
Ingénuo latagão,
De cabeleira flava,
Pés descalços, o arco ao ombro, à cinta a aljava.
Ao ver o Evangelista em folgar tão risonho,
Quedou-se em grande pasmo. Era verdade ou sonho?
Tão austero pastor, santo qual serafim,
Rindo e brincando assim?

Mas o apóstolo viu e disse em brando acento:
- Meu filho, não te assombre o meu divertimento!
Porque me olhas surpreso?
Diz-me, acaso tens teu arco sempre teso?
- Não - volve o caçador,
Insciente do valor
Da questão singular.
- A fim de descansar,
Distendo-o a cada passo…
- Pois, filho, eis o que eu faço:
Minha mente distendo e repouso em doçuras,
Por que possa depois adejar nas alturas.

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